quarta-feira, 21 de agosto de 2013

O célebre atentado contra Isaías Arruda na estação do trem de Aurora - Por José Cícero


Cel. Isaías Arruda - filho de Aurora ex-pref. de M. Velha
Estação de Aurora, aqui tombou Isaías Arruda em 1928



A tarde estava cinzenta naquela Aurora pacata e provinciana de 1928. Uma enorme sensação de tranqüilidade cobria os semblantes dos viajantes, assim como o coração e o pensamento da multidão que se aglomerava na pedra da estação aguardando o trem. Uma cena comum em todas as cidades interioranas atendidas pelo velho comboio da Rede Ferroviária Cearense(RVC).


Nuvens cor de chumbo em formação pareciam prenunciar no céu daquela Aurora antiga e calma, algo diferente prestes a ocorrer: uma tragédia. Logo se constataria...

Naquela tardezinha quase insossa de sábado, dia 4 de agosto de 28 quando muitos já se esqueciam dos episódios de um ano antes, relacionados à presença do rei do cangaço na terrinha; o velho aparelho do telégrafo da RVC de novo estava prestes a receber no código morse um telegrama diferente. Um comunicado estranho; digamos que chave, para os desdobramentos do acontecimento dramático que se seguira ao fato:
Jagunços do cel. sob o comando de Zé Gonçalves. Foto de 26 Ingazeiras
- “Antonio, algodão hoje sobe!”. Eis a mensagens...
Uma missiva quase enigmática considerando que o algodão – o ouro branco d’Aurora daquele tempo, faria sempre o sentido contrário, ou seja, descia pras bandas do litoral. E o seu preço no mercado há muito era de todos conhecido.
Porém, aquela mensagem sertanejamente codificada não seria de todos estranha. Havia um destino e um desiderato certo: os paulinos com o fito de surpreender o coronel. 
Dizia muito mais do que ali estava escrito de modo lacônico... A estação de Aurora estava repleta de gente. Um acontecimento que se tornara comum deste a sua inauguração festiva, oito anos antes, isto é, em 7 de setembro de 1920.
E a cronologia do momento seguinte, logo provaria para todos que o pano de fundo era um crime. Um atentado violento à ordem e a vida em nome da vingança e da intolerância de uma região marcada pela lei do bagamarte. Uma intriga passada à limpo. E como se viu, expressa na força da violência e da ignorância em detrimento da razão e da justiça. Sinais de uma época densamente marcada pelo poder de fogo do coronelismo oligárquico, engendrado pelos mais temíveis e truculentos líderes políticos que o Cariri cearense já experimentou um dia. Um período onde a lei no mais das vezes, quando prevalecia, era a do mais forte.  Enquanto a justiça quase sempre, era feita, via de regra pelas próprias mãos, em geral, dos poderosos.
Estação de Aurora em dia dia exposição de fotos antigas
Naquele sábado, de uma tarde escura de agosto, a estação de Aurora não demoraria a ser palco de um episódio que  marcaria à história do Cariri e do Ceará para sempre como um nódoa incômoda. Vez que envolveria, aquele que foi certamente, o mais famoso e temível chefe político da região: o coronel Isaias Arruda de Figueirêdo. Filho do lugar, ex-delegado de polícia, então prefeito pela força da vizinha Missão Velha. E, de quebra, o maior dos coiteiros de Lampião no interior cearense. Um autêntico mantenedor de jagunços e hábil negociador político junto aos potentados da vizinhança, assim como os grandes da capital.
O tempo escorria tal qual o suor no rosto daquela turba de anônimos já impacientes pela delonga. O relógio do prédio apontava 14h25min quando, finalmente, todos puderam escutar o apito estridente da velha máquina a ecoar no horizonte.  Apenas Sabina, entretida demais com o seu café, não se deu conta daquele acontecido. Todos, de repente voltaram suas atenções na direção do corte-grande lá pras bandas do alto da cruz, do sito Frade. A paz da Aurora estava prestes a sofrer um abalo...
O trem da Fortaleza vinha ligeiro e enfezado beirando o rio Salgado na ânsia de chegar tão logo às terras do Crato. E chegou à Aurora. Esbaforido e com sede como se fosse um animal cansado
Enquanto exímios chapeados transportavam com pressa e sem nenhum cuidado, grandes caixotes, sacos, pacotes e outros fardos de mercadorias aos sopapos. Uns desciam para o armazém da RVC outros subiam para os vagões do trem com destino ao Crato. Animais, coisas de madeira, artesanato, aguardente, rapadura, oiticica, panelas de barro. O trem acelerava a curiosidade, tanto quanto a economia daquela vila quase esquecida no oco do mundo.
Mas de repente, o som de um tiro seco ribombeou no ar. Quebrando a normalidade natural daquele acontecimento diário. Em seguida, vários outros disparos puderam ser ouvidos no interior do segundo vagão da primeira classe. Talvez sete ou oito no total... Até hoje ninguém sabe ao certo. Um silêncio quase sepulcral se abateu na plataforma por alguns instantes que pareceram eternos. Somente o roncar da locomotiva um pouco mais a frente estacionada defronte a caixa d’água. Em seguida uma correria...
Vozes diziam tratar-se de uma discussão. Três homens saíram atracados e em seguida correram no sentido contrário do vagão. Uma disparada em direção do armazém e depois para o beco da antiga rua que dava para o cemitério. De súbito, um quarto homem um tanto elegante, rosto jovem e bem tratado. Gestos aparentemente finos, surgiu do segundo vagão da primeira classe. Vestia impecavelmente um terno de linho branco. Olhar altivo. Pisou de modo esquisito e desaprumado o piso, a pedra da estação. Alguns passos apenas e cambaleando fitou a multidão como quem quisesse dizer algo. Não foi possível. Sangrando e com a mão direita colada ao peito chamava baixinho pelo primo. 
O linho branco do seu terno agora começava a se tingir de vermelho. Seus sapatos de cor marrom e bem polidos contrastavam com o vermelho escuro do seu próprio sangue formando poças na plataforma enfumaçada. Era o coronel Isaias Arruda, chefe político, filho da terra. Prefeito da Missão Velha. Alguém logo afirmara em meio a multidão de curiosos. 
Homem afamado em toda região, desde as bibocas à capital do estado. Um líder corajoso e ousado. Devagar caiu ao chão da plataforma ainda com arma intacta junta ao cinto. Não teve tempo sequer de usá-la.
Alguém saindo de dentro do vagão posterior se aproxima dele e forra o chão da pedra com um jornal que lia; edição do dia 3. Seu braço esquerdo e parte superior do tórax estavam em frangalhos. 
Ferimentos gravíssimos provocados pelos vários balanços com que fora atingido mortalmente. E o coronel, mesmo seriamente alvejado, bastante ferido, pronunciou baixinho quase inaudível:
- Os irmãos paulinos me acertaram! 

Eles me acertaram! 
- Mas como é que nem o Viana nem ninguém me avisou que meus inimigos estavam aqui?! 
Oh, Bando de covardes...
E de chofre emendou:
- alguém me chame o farmacêutico!
Foram os Paulinos, eles me acertaram... repetiu: - Bando de covardes!

Outros mais ousados iam  aos poucos  se aproximando da vítima que gemia deitada ao solo da pedra, sobre as folhas do jornal ‘O Ceará’. Enquanto isso, um mais pouco afastado da estação José Vicente ou Nezinho de Milica, dois  primos  saíram em perseguição(ou fugindo) dos irmãos paulinos: Antonio e Francisco, responsáveis pelo atentado.
Foi levado para à residência de Cícero Ferreira do lado do poente  e, em seguida, para a de  Augusto Jucá um antigo amigo morador da rua grande. Isaías foi socorrido. Inicialmente por um farmacêutico prático - o único que existia na cidade. No dia seguinte, bem cedo, dois médicos de Iguatu vindo de trole pela linha da RVC: Antenor Cavalcante e Sérgio Banhos atenderam o coronel. Porém, diante da gravidade dos ferimentos não tiveram como salvá-lo. Sendo que no dia 8 de abril uma quarta-feira às 6h da manhã, quatro dias após ter sido baleado, Isaías Arruda faleceu como que por capricho do destino na terra em que nasceu, foi batizado, cresceu, casou e foi delegado.
Antiga Fazenda Ipueiras do cel. Isaías em dia de Cariri Cangaço

Rumores apontaram ter sido o assassinato uma vingança de Lampião pela suposta traição do coronel um ano antes, durante o célebre “fogo da Ipueiras” (fazenda de sua propriedade) ao lado de Zé Cardoso e o major Moisés Leite de Figueiredo. Além da tentativa de envenenamento do bando lampiônico, em cujo local Virgulino se arranchara por diversas vezes. Ocasião em que o rei do cangaço fugia das volantes, após o fracasso da invasão à Mossoró, arquitetada sob as estratégias de Massilon Leite e financiada pelo próprio coronel.
Mas o certo, segundo se provaria logo depois, foi que os paulinos vingaram o assassinato do irmão mais velho João, morto numa emboscada no serrote d’Aurora pelos jagunços de Arruda no ano anterior.
Terminava ali de modo trágico, na estação ferroviária de Aurora a verdadeira saga de um dos mais temíveis e respeitados coronéis do Cariri - Isaías Arruda de Figueirêdo. Assim como, sua rixa ferrenha contra os irmãos paulinos da Aurora.
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Prof. José Cícero.
Escritor, Pesquisador e Poeta -
Secretário de Cultura e Turismo de Aurora - Ce.
jcaurora.blogspot.com
www.blogdaaurorajc.blogspot.com
  Fotos: arquivo JC
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EM MISSÃO VELHA - ISAÍAS ARRUDA
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19 H- MARICA MACEDO DO TIPI.

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