segunda-feira, 15 de abril de 2013

Toda poética do final de semana - Por José Cícero*

ARTIGO LITERÁRIO:

Hoje é domingo. Célere e volátil o final de semana passou, literalmente escorreu pelos meus olhos sonolentos de tanta espera. E eu nem sequer me dei conta deste detalhe quase escatológico.
O dia se esvaiu como fumaça de cachimbo diante dos meus olhos saturados de descrédito e de carvão. 
Estive entretido demais, remexendo o meu baú de ossos. A procura do que nem sei... Quem sabe, por mim mesmo que há muito me desgarrei deste rebanho odiento que não enxerga um palmo além do seu próprio nariz.
Passei pelo sábado como quem dorme em "berço esplêndido".  Mesmo assim não me entrego ao imoral assédio dos que desejam dominar o mundo pela TV.
Passei estes dias dormitando junto com meus grilos e as incertezas dispersas nas gavetas do mundo. Meio que profundamente mergulhado no próprio poema imortal de Manuel Bandeira....
Mas foi o sábado quem primeiro passou por mim, de um modo estranho e sisudo. E penso até que me oferecera wisk como um pequeno burguês metido à besta. De sorte que eu permaneci do meu jeito: Demasiadamente humano e de saco cheio de todas as idiotices da vida. Permaneci cabisbaixo e vergonhoso como um menino do mato a tomar banho pelado no riacho. Tibungando em "bunda canastra" como se o tivesse num oceano Amazônico, carregado   de lembranças e outras amenidades impossíveis. 
Ilações e falares. Mares profundos em que navego com meus ídolos em vários transatrânticos fantasmas quando absorvo, dentre muitos: Kafka, Zola, T.S. Eliot e Cervantes.  Porém, ainda sinto entre meus dedos um fragmento idílico e poemático de Leminski, Fernando Pessoa e Lêdo Ivo. Não tenho como desdenhar ou mesmo olvidar dos que ajudaram a inteligência, a imaginação e cultura dos povos.
Neste final de semana dei-me por completo ao meu próprio ócio produtivo. Aquilo por quem os outros, por absoluta ignorância, preguiça ou mesmo inveja chamam-no de vagabudagem dos que não se dão por gregários. Infindas loucuras dos abnegados amigos dos livros e do conhecimento criativo.
E assim, num piscar de olhos, perdi meu domingo... Ressentido de que o dia claro precisava e muito, do sol de antigas primaveras, que adolesci no peito. Assim como as noites das velhas brisas do Aracati, de  vaga-lumes e de donzelas bonitas para os poetas boêmios namorar.
Queimei meu domingo e minha língua quando estreguei meus ouvidos e sentimentos aos discos clássicos que com muito esforço resgatei do lixo. Bob Dylan, Cat Steven, Beirut, Rita Pavone, Beatles,  Joan Baez, Di Melo, Belchior, Raul, Caetano  e Chico. Depois, como senão me bastasse, transbordei minha imaginação em taças de melancolias e de saudades. Quando bebi outras  canções do gênero e dividi com todos estes, os meus segredos...
Chorei e me embriaguei de arte e poesia. Mas também me entristeci quando enfim,  me dei conta de que no  dia de hoje Sérgio Sampaio - o adorável maldito, se vivo, completaria 66 anos. 
Ainda que alguém me  gritasse aos ouvidos  que este número é  cabalar e, por isso mesmo assaz perigoso para a minha sorte. Eis a grande  marca da besta-fera. A velha maldição dos imbecis...
Em protesto cantei com Sampaio, em plenos pulmões: - "Eu quero é botar meu bloco na rua" quando então, a noite por puro milagre se encheu de perfume.
Agora o domingo começa a morrer em meus braços. E a lua já se mostra mestruada, ou ainda quem sabe, grávida de tantas promessas... A noite, como dizem, é uma criança...
Mas eu prossigo ouvindo e lendo tudo aquilo que alimenta e fortalece o meu espírito. E a palavra de fato, é a faca que corta a língua dos que se aceitam como cegos.  
Enquanto isso, a segunda-feira como um sapo jardineiro engolira a um só tempo, o sábado e o domingo. Deste então, eu fiquei melancolicamente solitário.
Mas ainda assim me restara o canto. Pássaros agourentos nos céus e milhões e milhões de vaga-lumes no bréu da minha noite, como se fossem multidões de anjos  carregando velas e candeeiros.
Música e  poesia agora são, por assim dizer, a lídima linguagem do mundo. O escuro da noite de domingo está repleto de querubins. A canção é algo  universal. O verso livre é a força que nos move e nos alegra no caminho de uma  felicidade possível. 
Todos porém, ainda assim me chamam de louco. E eu fico muito mais feliz, em saber que sou diferente. Que Deus é poeta. E que de fato, nunca caberei tão fácil em qualquer canto. 
Agora cochilo. "Faz escuro, mas eu canto".
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Prof. José Cícero
Secretário de Cultura e Turismo
Aurora - CE.
In: Poética do absurdo - JC inédito- 2013
Foros:  http://www.ecodesenvolvimento.org


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