sábado, 6 de junho de 2009

Meio Ambiente - Um olhar ponderado e reflexivo sobre o rio Salgado

Por: José Cícero

No dia e na semana do Meio Ambiente, nada tão importante e fundamental do que analisar a história e a situação de degradação por que passa o rio Salgado, o principal manancial do Cariri.
Na semana em que o mundo se debruça sobre a celebração do Dia do Meio Ambiente, no sentido de despertar as atenções para os graves problemas relacionados a biodiversidade e os recursos naturais nós caririenses deveríamos igualmente atentar para a situação de calamidade e penúria por que passa o maior manancial do Cariri – o rio Salgado. Fomentador natural através do qual todo o Cariri foi colonizado e se desenvolveu. No passado, o Salgado foi por assim dizer, o caminho natural em torno do qual os “desbravadores”, os almocreves, os colonizadores, dona Aurora e tudo o mais que chegou por estas bandas vieram inicialmente em função da existência do rio. Sendo até hoje sinônimo de fartura e de prosperidade. Para enfim, ser possível edificar no Sul do Ceará, este conglomerado regional-urbano situado no grande vale, o qual se convencionou denominar de o Oásis sul-cearense. Um importante pólo cultural e econômico do Ceará que, malgrado outros aspectos intrínsecos tem uma importância capital para todo o Estado.
No entanto, este processo de colonização teve seu preço: Um rastro de destruição de toda sorte para o bioma da nossa caatinga e todo o ecossistema Salgadiano. Uma história de destruição ambiental sem precedentes. O que resultou no que se tem hoje: um rio à beira do esgotamento total. Um manancial que permanece na UTI ecológica(e pasmem) diante dos olhares míopes de uma sociedade cada vez mais sedenta de riqueza/lucro e indiferente, insensível a todo o estado de degradação e morte anunciada por que passa o Salgado do nosso Cariri. Uma situação que muito bem poderia ser intitulada para um curta tragicômico - “Todo o amargor de um rio Salgado”. Tanto Aurora quanto o Cariri deve tudo ao Salgado, pena que quase ninguém ver isso...
O Salgado foi também o berço da remota grande nação dos Kariris-novos. Etnia indígena que a exemplo do próprio rio sofrera as primeiras investidas deletérias da civilização colonizadora que se formava; cega de poder e de riquezas. De tal modo, que os índios Cariris foram aos poucos sendo expulsos da sua própria terra e, consequentemente também pouco a pouco sendo exterminados. Esta foi a velha praxe dispensada pelos homem branco a todas as nações indígenas do Brasil ao longo da história. Como se essa maldade latente, permanecesse até hoje impregnada no próprio DNA da sociedade de consumo contemporânea.
Mas, digamos que o rio Salgado desde os primórdios, tem sido também uma vítima em potencial da modernidade e, consequentemente deste acelerado processo de destruição e desrespeito por meio do qual o homem branco tem se comportado em relação a quase tudo que diz respeito a natureza e aos recursos naturais.
O rio Salgado é como se fosse um livro aberto, carcomido em cujas páginas, a duras penas, ainda mantêm escrita e guardada toda uma cruzada de intensas violência e agressões efetuadas contra a natureza da região e ao ecossistema em seu entorno. O Salgado, foi a célula germinativa responsável pelo surgimento de Aurora e de toda esta vasta região. O rio Salgado é nosso ar-conquidicionado natural. É nossa ligação mais efetiva e natural como o Atlântico e, portanto, com o mundo. Quiçá até, como os deuses...
Com aproximadamente 42 km do seu leito cortando o município de Aurora de uma ponta a outra no sentido Sul-Norte, o Salgado é por assim dizer, um rio por excelência aurorense. Antes no seu nascedouro recebe o nome de Batateiras, depois de Granjeiro, Salgadinho e Missão Velha. Apenas quando adentra as terras aurorenses é que se torna grande, adulto, forte, possante, majestoso, se aprofunda e se alarga, ganhando enfim, volume de água, assumindo um aspecto digno de um rio elegante. E assim, segue seu itinerário natural, serpenteando divinamente, pelas ribeiras do Cariri Oriental espalhando fertilidade e beleza por 23 dos municípios que compõem a sua bacia hidrográfica numa extensão de quase 300 km; banhando diretamente 8 municípios. Com uma capacidade de acumulação de água superficial de cerca de 447,41 milhões de metros cúbicos com uma bacia composta por 14 açudes o Salgado deveria, só por isso ser um monumento. Somente em Aurora pouco mais de 4 mil hectares de terra são irrigados pelas águas doces do Salgado. Seguindo assim a gravidade natural do nosso chão até desaguar de vez já na altura do município de Icó, desembocando nas fímbrias do Jaguaribe a se precipitar no Castanhão e de lá, para o oceano do Atlântico. Sem antes deixar de “adoça a vida e a alma” de todo o povo caririense em especial, dos aurorenses que há muito mantêm uma relação muito estreita de amor e ternura com suas águas. Uma efetiva cumplicidade de parceiros. Aurora de fato, por tudo isso, é um presente do Salgado. O Salgado é um eterno milagre sempre a possibilitar a multiplicação do pão da terra para os seus filhos. Como se todos fossem seus eternos filhos-moradores ribeirinhos...
Quase sempre grávido de bonança, de beleza e de promessas o Salgado mata a sede, assim como alimenta/mata a fome e as necessidades dos seus protegidos. O Salgado é um instante eterno de grandezas e absolutas alegrias. O Salgado é a certeza de um recomeço sempre prometido no horizonte das esperanças sertanejas. Uma relação profunda de afeto e gratidão com os homens e mulheres que trabalham a terra, irrigando com o suor do rosto e os calos das mãos o útero da nossa caatinga. O Salgado é a mais próxima e autêntica ligação quase holísitica que existe de toda uma gente dos grotões do Cariri com o chão das nossas raízes ancestrais. A perspectiva de um futuro melhor sempre expresso no semblante, assim como no coração dos que acreditam na fartura da terra, bem como na providência divina sob a intercessão do padre Cícero e Frei Damião. O sangue da luta da nossa ancestralidade sempre a irrigar de esperança e fé a fertilidade da região, como se fosse a ponta do punhal de Virgulino - o Lampião.
O Salgado é sempre assim: um misto das coisas que sempre engrandecem para o todo e sempre o Cariri e os aurorenses onde que quer se encontrem. O Salgado é uma esperança que nunca cessa. Uma saudade. Um poema de amor. Uma ode ao nosso passado heróico. Uma esperança...
Mas, infelizmente está morrendo... Porém os seus gritos de socorro só podem ser ouvidos por aqueles que vêem mais pelos olhos da alma, da consciência, da ética e do coração. O Salgado é um estado de espírito que sempre nos eleva e fortalece. Nunca o Salgado precisou tanto dos contemporâneos. O Salgado está na UTI, prestes a entrar em coma profundo. E quando chegar a fatalidade deste dia, que já se avizinha, a situação se tornará irreversível. Será um caminho sem volta. E a natureza irá cobrar de todos nós seus honorários ecológicos com juro e correção. E a partir daí, talvez pela primeira e última vez, possamos quem sabe perceber o quão cruéis formos todos na maneira irresponsável e desarmonioza com que nos relacionamos com esta verdadeira dádiva da vida(natureza) que os céus ofereceram aos homens.
Urge portanto, que pessemos em tudo isso, enquanto ainda há tempo para alguma coisa. Um grande abismo começa a se abrir sob os nossos pés. Temos que ter olhos, consciência e ouvidos atentos para este perigo iminente.
Salvemos então o Salgado, enquanto temos condições objetivas para esta possibilidade. Já estamos quase no tempo e no ponto limite. Daqui a pouco, será um caminhos sem volta. O Salgado clama por nossa intervenção sustentável e solitária. É ele o maior símbolo de exuberância da n natureza sul caririense que nos rodeia. O Salgado é singular, sobretudo naquilo que é mais plural ou seja: o modo como sustentou toda uma geração com os seus recursos naturais sem nunca pedir nada em troca. Todo o Cariri e o Ceará como um todo mantêm uma dívida impagável com este manancial, a correr calmante sob os pés imponentes da grande Araripe.
O Salgado está morrendo. Precisa com urgência ser revitalizado juntamente com os seus afluentes. O Salgado é um exemplo de exaltação a própria vida do Planeta. Para tanto, precisamos defendê-lo como quem defende até as últimas conseqüências, o próprio filho. Do contrário, quem sabe poderemos conhecer o mesmo fim que tiveram os dinossauros. Nossa autodestruição não constitui mais uma utopia catastrófica, mas uma possibilidade real das mais previsíveis, caso não mudemos desde já, nosso modo de nos relacionar com a natureza e a biodiversidade como um todo. Defender o Salgado precisa virar prioridade de cada cidadão, uma mania inicialmente assumida com sua própria consciência como premissa básica para a cidadania e a manutenção da própria vida, de todos quanto habitam a única morada que existe para todas as espécies planetárias - A Terra. E nunca é demais afirmar que, enquanto espécie, os seres humanos também correm risco de uma extinção geral. Estamos a passos largos a caminho da autodestruição. Se a catrastrófe terrena é deveras um acontecimento cíclico, diria que estamos nos antecipando a ela.
Viva o rio Salgado e que o Salgado viva para sempre nos nossos corações e mentes. A vida da biosfera e das futuras gerações dependerão das atitudes que tomaremos agora, sem demora... Viva o Salgado, viva!

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